
Solaris
Por Gustavo Campello
em 12 de Dezembro de 2017
O LIVRO
Em abril de 2017 a Editora Aleph lançou no país uma nova edição da obra Solaris do escritor polonês Stanislaw Lem. Eu já havia assistido ao filme dirigido pelo Tarkovski há uns anos atrás (mais pra frente vou falar dele), mas mesmo a película sendo parcialmente bastante fiel, não consegue passar a profundidade do romance.
Fazendo uma comparação, imaginem que o filme dirigido pelo diretor americano Steven Soderbergh e estrelado por George Clooney em 2002 é como estar deitado em uma banheira. O filme russo dirigido por Tarkovski em 1972 é como mergulhar em uma piscina em um clube. O livro de Lem é como estar perdido na imensidão do oceano sem boia ou qualquer esperança de resgate em volta.

Solaris foi um dos livros que mais mexeu comigo, tanto quanto Os Irmãos Karamazov de Dostoievski ou Por Quem os Sinos Dobram de Hemingway. A ficção científica é subestimada pela maioria dos críticos literários, porém livros como este não ficam devendo em nada para grandes obras e trazem reflexões tão profundas quanto obras aclamadas que temos por aí.
O grande assunto do livro é a comunicação. Cientistas vivem em uma estação espacial tentando já há décadas estabelecer contato com um ser vivo que é um oceano que cobre todo o planeta Solaris, mas como se comunicar com um oceano? Como estabelecer contato com um ser que está além da compreensão humana? Como conversar com algo tão diferente se não conseguimos estabelecer contato nem entre nós mesmos? Nos conhecemos? Será que você conhece sua mãe, esposa, filho ou simplesmente conhece a imagem que você faz dessas pessoas?
Em determinado ponto do livro o cientista Snaut expressa: “Não buscamos nada além de pessoas. Não precisamos de nenhum outro mundo. Precisamos de espelho”...”Queremos encontrar a nossa própria imagem idealizada”. E essa linha de pensamento é levado ainda mais além. Os Visitantes, seres que o oceano cria a partir da memória dos astronautas para tentar estabelecer um contato, são criados de neutrinos, mas não são seres vivos? O quanto eles têm direito a vida a partir do momento que tem consciência de existir? Harey não é a Harey que o Dr. Kelvin conhecia, mas não seria ela um novo individuo também? Para o Dr. Sartorius, frio e calculista, esses seres são meros objetos, mas como o leitor os encara? É aí que o autor consegue mostrar toda a genialidade da obra, mas no fundo é tudo sobre a impossibilidade da comunicação. Jamais vamos conhecer uma pessoa a fundo, todos somos oceanos individuais uns para os outros, se você tivesse que recriar a pessoas que acha que mais conhece no mundo, jamais seria a mesma pessoa somente baseada em suas memórias e isto, por si só, é extremamente assustador de pensar. Estamos sozinhos, somos seres solitários e jamais seremos compreendidos de forma plena e profunda.
O FILME (1972)
Quando eu assisti ao filme pela primeira vez não havia lido o livro, portanto hoje acabo gostando menos dele. Não dá, porém, para ignorar a grande tentativa do Tarkovski em tentar ser fiel ao livro, mas algumas coisas ficaram a desejar.

O que não funciona:
Primeiramente o personagem Dr. Kelvin (interpretado por Donatas Banionis) é completamente apático, fazendo com que a química que tem com sua esposa (Interpretada por Natalya Bondarchuk) não nos convença de todo o drama que ele está passando. (Esta química entre o casal é a única coisa que parece funcionar na versão de 2002, por incrível que pareça). O final é extremamente desnecessário e altera bastante o livro, mas o ponto crucial que as duas versões pecam é em deixar Solaris em segundo plano. O planeta Solaris, o ser vivo que é o oceano e toda as teorias solarísticas que fazem parte do livro são importantíssimas para o compreendimento da obra como um todo, mas como comunicar para o espectador a impossibilidade de comunicação? Como enfiar em um vídeo a noção infinita do oceano de algo que a mente humana não pode conceber ou entender? Tarefa praticamente impossível, portanto acredito que o diretor tentou do fundo da alma fazer isso com toda a cena inicial do piloto Berton, relatando suas experiências com o oceano, fato este que é narrado para entendimento do projeto mais pro meio do livro, mas no filme não funcionou tão bem. Não funciona como deveria pelo menos, mas a tentativa foi válida.
O que funciona:
Snaut (Interpretado por Jüri Järvet) rouba a cena, o personagem consegue passar muito do livro, algumas falas são praticamente narradas do que Lem escreveu. A atuação de Natalya Bondarchuk é excelente em muitas partes e o estilo narrativo de Tarkovski, lento e contemplativo, casa muito bem com a obra, mesmo não caindo no gosto da maioria das pessoas que gostam de um estilo mais hollywoodiano. O maior trunfo é ser uma obra, que por mais que não tenha conseguido ser tão boa quanto o livro, pelo menos tentou de uma forma honesta (Mas que filme é melhor que o livro, né? – nota: O Poderoso Chefão)
O FILME (2002)
Assisti ao filme depois que havia lido o livro, talvez por isto minha aversão tenha sido tão grande, mas o filme tem muito mais erros que acertos.

O que não funciona:
Bem... Praticamente o filme inteiro não funciona. Solaris não é em nem um momento explicado ou foco de entendimento do filme, o telespectador desavisado nem consegue entender que é um oceano com consciência. O final, assim como na versão de 1972, não tem nada haver com o livro, mas é diferente do seu predecessor. Um filme que tenta ser autoexplicativo sem explicar nada... é como se o diretor falasse “Ok, agora que você assistiu ao filme, vai lá ler o livro pra entender o que eu quis dizer.”
O que funciona:
Bem pouco: A química entre George Clooney e Natascha McElhone funciona bem melhor que no filme de 1972. A direção de Soderbergh é excelente, não dá pra reclamar. A atuação de Jeremy Davis é ótima, apesar de não convencer como Snaut (que no filme vira Snow. WTF???). E você pode ficar procurando alguma coisa que funcione, mas vai ser só desculpa, o filme é um desastre.

Como no livro, os filmes se perdem na tentativa de comunicar o que o livro, pelo menos pra mim, comunicou tão bem. Não é um livro fácil, é preciso que o leitor esteja na vibe de absorver aquilo que Stanislaw Lem está disposto a transmitir com ele, quase como um tratado de filosofia. me parece que a cada adaptação da obra a mensagem final foi se fragmentando, se perdendo, como um telefone sem fio lúdico da infância... Isto já torna a obra, como um todo, englobando livro e filmes se completem de uma maneira muito interessante na mensagem final. Não há entendimento, não há comunicação, não há mensagem.
No livro, a visitante do Kelvin se chama Harey, no filme do tarkovski se chama Khari e no filme do Soderbergh se chama Rheya. Quis terminar a matéria com este fato pra ilustrar, que na dúvida, fique com a original: leia o livro! Evite estar no final da brincadeira do telefone sem fio para não perder a mensagem correta.